Falar sobre desligamentos é sempre um desafio para quem atua com Departamento Pessoal. Desde meus primeiros anos na área, percebo que o procedimento que formaliza o fim daquele vínculo, ainda hoje, gera dúvidas frequentes. Eu já vi empresas se perderem entre papeladas e prazos, com riscos sérios de processos. Por isso resolvi montar este guia prático: para compartilhar o que aprendi, esclarecer etapas da homologação e evitar dores de cabeça trabalhistas desnecessárias.
Entendendo a homologação no contexto brasileiro
Antes de qualquer etapa prática, é importante saber o que representa a homologação no universo das rescisões. Quando falamos desse processo, nos referimos à validação formal do término do contrato de trabalho junto ao empregado, que assegura o correto pagamento das verbas devidas e, dependendo do caso, a assistência sindical.
Lembro de uma situação em que, ao não formalizar adequadamente um desligamento, a empresa acabou envolvida em uma ação trabalhista complexa só por não apresentar um recibo devidamente conferido. Esse procedimento não é mera formalidade, mas sim um marco de proteção jurídica para ambas as partes.
Por que esse procedimento existe?
A prática se popularizou no Brasil para autenticar que o trabalhador recebeu todos os direitos a que fazia jus, evitando questionamentos posteriores. Não à toa, dados do Tribunal Superior do Trabalho apontam que rescisões são pauta significativa nos processos judiciais trabalhistas, representando aproximadamente 30% das demandas no final de 2016 (veja mais dados aqui).
No passado, para contratos superiores a um ano, era indispensável a presença do sindicato (ou do órgão do trabalho). Após 2017, com a Reforma, algumas exigências mudaram, mas nem tudo ficou mais simples, principalmente diante de convenções coletivas. Vou detalhar essas nuances mais adiante.
Documentos obrigatórios na rescisão
Durante o tempo que estive à frente do DP, desenvolvi um check-list de conferência para não causar atrasos nem esquecer informações. O segredo, na minha opinião, é organização.
- Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho (TRCT), em duas vias
- Carteira de Trabalho (CTPS) atualizada, com baixa
- Comprovante de pagamento das verbas rescisórias
- Extrato analítico do FGTS, atualizado
- Guias para saque do FGTS e do Seguro-Desemprego (quando aplicável)
- Último recibo de salário
- Demonstrativos de férias e proporcionais
- Guia de recolhimento da multa rescisória do FGTS (GRRF)
- Documento de identificação do empregado
- Comprovantes de entrega de EPI, se foi fornecido
- Atestados de devolução de documentos e crachás, conforme política interna
Cada categoria ou sindicato pode solicitar itens adicionais, como, por exemplo, comprovante de quitação de contribuições sindicais pendentes. Já passei por situações em que, na pressa, faltou um documento e precisei remarcar a data, causando desconforto tanto ao funcionário quanto à diretoria.
Prazos para o pagamento das verbas rescisórias
Muitos erros de DP surgem no descuido com prazos. Já vi empresas que, por adiantar a cerimônia de quitação sem repassar os valores corretamente, acabaram acumulando multas desnecessárias.
- Aviso prévio trabalhado: Pagamento até o primeiro dia útil após o término do contrato.
- Aviso prévio indenizado: Pagamento em até 10 dias contados do último dia trabalhado.
Perdi as contas de quantas vezes precisei reforçar para a gestão a importância dessa agenda. O descumprimento dos prazos normalmente implica multa equivalente ao salário (artigo 477, § 8º, CLT). Não vale a pena correr esse risco.
O passo a passo: como fazer a homologação
Se alguém me perguntasse qual etapa mais exige atenção, eu diria sem hesitar: a preparação dos cálculos. Um recibo mal calculado pode custar caro.
- Cálculo das verbas rescisórias: Inclui saldo de salário, férias vencidas e proporcionais, 13º proporcional, aviso prévio (trabalhado ou indenizado), horas extras pendentes, adicionais (noturno, periculosidade, insalubridade) e multas legais.
- Prencher e revisar os documentos: O Termo de Rescisão precisa, obrigatoriamente, bater com os recibos e a CTPS. O detalhe faz diferença.
- Conferência dos saldos no FGTS: Assegure-se que todos os depósitos estão feitos e a multa de 40% (quando devida) foi recolhida.
- Guia de Seguro-Desemprego: Emitir e entregar ao trabalhador, em casos aplicáveis.
- Agendar e realizar a reunião de formalização com o funcionário. Aqui, é possível esclarecer dúvidas, entregar documentos e colher assinatura.
- Se aplicável por acordo coletivo ou convenção, realizar o ato junto ao sindicato, alguns casos ainda exigem homologação sindical. Vou detalhar essas situações no próximo tópico.
- Protocolar e arquivar os documentos corretamente, tanto na empresa quanto digitalmente, garantindo rastreabilidade.
Confesso já ter perdido noites preparando papelada para que, no dia da homologação, tudo estivesse em ordem. Cada detalhe conta.
As mudanças da Reforma Trabalhista e o papel do sindicato
A Lei 13.467/2017 mudou práticas de rotina em departamentos de RH. É comum colegas me questionarem se ainda precisam envolver o sindicato nas homologações. Tento responder de modo didático, porque nem sempre a resposta é um simples "sim" ou "não".
Antes da Reforma, toda rescisão de empregado com mais de 12 meses de casa precisava ser referendada por sindicato ou Ministério do Trabalho. Essa obrigatoriedade foi retirada, tornando o processo, em teoria, mais simples para empresas e profissionais. No entanto, a realidade ficou mais cinzenta.
Apesar da retirada da exigência legal, a convenção coletiva pode, sim, manter a obrigação de homologação sindical. Isso se deve a decisões recentes em instâncias superiores, que validaram cláusulas dessa natureza em acordos coletivos, mesmo após a Reforma (decisões judiciais sobre a homologação sindical).
Mesmo sem lei federal, o acordo coletivo pode exigir participação sindical.
Em minha experiência, é impossível generalizar. Já trabalhei em empresas nas quais o sindicato “batia o martelo” em todas as quitações, enquanto em outras o processo era todo interno. Essa multiplicidade confunde, exige atenção redobrada ao que diz o acordo coletivo vigente.
Estudo publicado recentemente sobre impactos da Lei 13.467/2017 destaca preocupações com a isonomia entre empregados e empregadores e o risco de trabalhadores perderem direitos por desconhecimento ou desinformação. Daí surge a discussão de projetos legislativos que tentam, de tempos em tempos, restaurar a obrigatoriedade sindical nesse processo, especialmente para incentivar acordos prévios e diminuir processos (projeto de lei em debate).
Cuidados para evitar passivos trabalhistas
Se há algo que aprendi nesses anos foi: quem não se esforça para fazer o procedimento correto, provavelmente enfrentará questionamentos no futuro. Não à toa, em 2023 a Justiça do Trabalho registrou 4,19 milhões de novos casos, com aumento de quase 29% comparado ao ano anterior (dados do CNJ). Dessas ações, a conciliação segue baixa, girando em torno de 21% (veja mais sobre os baixos índices de acordo).
No cotidiano de DP, recomendo alguns cuidados práticos:
- Realizar cálculos confere com cuidado: não confie apenas no sistema, revise manualmente e peça revisão de uma segunda pessoa.
- Manter arquivos (digitais e físicos) organizados e em local seguro, por pelo menos cinco anos.
- Conferir os depósitos do FGTS e os recolhimentos do INSS antes de liberar documentos.
- Consultar periodicamente as convenções coletivas: tudo pode mudar em questão de meses!
- Oferecer orientação clara ao trabalhador, explicar suas verbas e direitos, evitar dúvidas que possam gerar processos depois.
- Reunir as duas partes (empresa e empregado) para esclarecimento, entrega de documentos e eventuais acordos ou recibos complementares.
Quais erros são mais comuns?
Cometi alguns na minha trajetória e já presenciei outros tantos, como:
- Erro no valor do saldo de salário ou férias proporcionais
- Não atualizar corretamente a baixa na CTPS
- Preencher datas erradas nos recibos
- Falta de protocolo na entrega e assinatura de documentos
- Esquecer de recolher a multa de 40% sobre o FGTS
Essas falhas podem parecer pequenas, mas já vi processos judiciais se arrastarem por anos por causa de um simples recibo sem data ou assinatura.
Ferramentas digitais e modernização na rotina do DP
Quando comecei, tudo era no papel, com pilhas de cópias para sindicato, empregado, empresa. Hoje vejo que ferramentas digitais transformaram a rotina. Desde o cálculo automático das verbas, conferência eletrônica de depósitos, geração de recibos e digitalização dos dossiês rescisórios, tudo está mais ágil e seguro.
A tecnologia é aliada para evitar erros e economizar tempo.
E, sinceramente, percebo menos retrabalho e menos preocupação com prazos. Protocolos digitais ajudam muito na organização de arquivos, no envio automático dos documentos por e-mail e, inclusive, facilitam o arquivamento, afinal, se o ex-funcionário pedir uma segunda via, tudo está registrado eletronicamente.
Naturalmente, sempre oriento: mesmo usando sistemas avançados, mantenha o olhar crítico. O software pode errar ou, eventualmente, ficar desatualizado frente a convenções ou novas exigências legais.
O dia da homologação: como conduzir?
Chegado o momento, procuro um ambiente reservado, sem interrupções, demonstrando respeito ao trabalhador. Faço questão de recapitular todos os valores e comprovantes antes da assinatura, permitindo perguntas e esclarecendo eventuais dúvidas. Mesmo quando há certo desconforto, vi que essa postura reduz riscos e evita desentendimentos.
A transparência fortalece a confiança e encerra vínculos de forma mais leve.
Se a homologação ocorrer junto ao sindicato, sigo a agenda determinada, levo todos os documentos (inclusive extras) e, se houver questionamento, registro a demanda por escrito. Experiências anteriores me mostraram a importância de documentar tudo, inclusive pequenos detalhes.
Conclusão
Depois de vivenciar inúmeros desligamentos, acredito que a melhor estratégia ainda é unir preparo técnico, respeito ao trabalhador e uso inteligente da tecnologia. Processos bem conduzidos trazem segurança para ambos os lados e evitam litígios laterais, que podem demorar e custar caro.
O universo da homologação não precisa ser um bicho de sete cabeças. Com organização, atenção a detalhes legais e atualização constante, é possível transformar esse momento de encerramento em uma etapa tranquila para seu Departamento Pessoal e sua empresa.
Perguntas frequentes sobre homologação trabalhista
O que é homologação trabalhista?
Homologação trabalhista é o procedimento formal que valida a rescisão do contrato de trabalho, comprovando que o empregado recebeu todas as verbas rescisórias devidas e encerrando o vínculo de forma documentada. Dependendo do caso, pode ser feita só na empresa ou contar com participação do sindicato, principalmente se previsto em acordo coletivo.
Como fazer a homologação de rescisão?
O ideal é seguir uma sequência estruturada: calcular todas as verbas corretamente, preencher e revisar a documentação, conferir os acertos do FGTS, preparar a guia de seguro-desemprego (quando necessário), agendar a reunião com o trabalhador, reunir documentos obrigatórios e colher assinaturas. Se o sindicato exigir a formalização, é preciso agendar o ato na entidade, levando todos os papéis e comprovantes.
Quem precisa participar da homologação?
Atualmente, a presença do sindicato só é exigida quando estabelecida em acordo coletivo. Nos demais casos, bastam o empregador (ou representante da empresa) e o trabalhador. Recomendo que alguém do Departamento Pessoal acompanhe sempre para explicar dúvidas e garantir o cumprimento das exigências legais.
Quais documentos são exigidos na homologação?
Os principais são: termo de rescisão do contrato, CTPS atualizada, comprovantes das verbas pagas, extrato do FGTS, guias do seguro-desemprego e FGTS, recibos de férias e 13º, comprovante de baixa de EPI, documento de identificação. O sindicato pode pedir itens extras, conforme especificado em convenções.
Quanto tempo demora o processo de homologação?
Se toda a documentação estiver correta, normalmente a homologação ocorre em uma única reunião, de 30 a 60 minutos. Prazos mais longos acontecem quando há pendências documentais, dúvidas nos cálculos ou necessidade de agendamento junto ao sindicato, o que pode levar alguns dias.